terça-feira, 26 de maio de 2009

O lado poeta de Zé Rodrix...





ZÉ RODRIX nasceu no RJ mas morava em SP fazia 25 anos: aqui acabou desenvolvendo todos os seus talentos. Fez música, cantou, produziu, criou publicidade, inventou teatro, dirigiu cinema, escreveu livros,participava e incentivava os poetas malucos do Sopa de letrinhas, já tinha lançado três volumes da TRILOGIA DO TEMPLO ( Ed. Record) Não confundia letra de música com poesia, porque dizia que as duas eram territórios e ferramentas muito diferentes uma da outra: mas de vez em quando quando a Musa da Poesia lhe fazia uma vista, ou pelo menos dava uma ligadinha pro seu celular, se arriscava a poetar.



O auto-necrológio de Zé Rodrix


Há alguns anos, gostaria de ter a causa-mortis preferida de meu pai: assassinado aos 98 anos de idade com um tiro dado por um marido ciumento que o tivesse pego em pleno ato... mas hoje não mais. Pode ser de fulminante ataque cardíaco, dentro da minha biblioteca, perto o suficiente da familia e dos amigos mas afastado o bastante para que, alertados pelos cachorros da casa, já me encontrem morto, com um sorriso nos lábios. Pode sepultar-me em pleno mar, sob a forma de cinzas, já que nao poderei ser sepultado in totum no jardim da minha casa. Se conseguirem isso, no entanto, que nao cobrem entradas para visitação, à moda do irmão da princesa: deixem que além das pessoas os passarinhos e os animais da casa se refestelem no lugar, renovando diariamente o eterno ciclo da Natureza. Ao enterro devem, através de convite formal, comparecer todos que foram aos meus lançåmentos de livro: nada mais parecido com um velório do que isso. Peço parcimonia nos efluvios emocionais: já as risadas devem ser francas e sem limite. Creio inclusive que prepararei com antecedencia uma fita de piadas gravadas para animar o velório e manter o pessoal na boa. Como dizia o Bozo, "sempre rir, sempre rir...." Lá só deixarei a mim mesmo: mesmo os inimigos que comparecerem para ter certeza de que estou realmente morto podem voltar para casa em paz. Nao pretendo puxar a perna de ninguém à noite e nem assombra-los depois de morto. Já os amigos podem contar comigo: havendo vida após a morte, volto para avisar, da maneira mais prática e menos assustadora que me for possivel. A cremação deve ser feita depois que todos forem embora cuidar de seus próprios afazeres: enfrentar as chamas do forno terrestre ja será um grande introito para a vida eterna. Se conseguir, tentarei ser crooner da grande Orquestra de Jazz do Inferno, vulgarmente chamada de SATANAZZ ALL-STARS: como já vou chegar lá tenente ou capitão, dada a minha imensa taxa de maldades realizadas sobre a Terra, creio que nao será dificil. Meu castigo certamente será cantar MPBdQ por toda a eternidade, mas mesmo com isso ainda se pode encontrar algum prazer, assim na terra como no inferno....é o que veremos a seguir. No enterro podem tocar de tudo, menos as músicas que eu tenha feito. Minha morte servirá certamente para que se livrem não apenas de mim mas também de minhas obras. Os herdeiros também nao merecem ouvi-las, sabendo que nada herdarão de minha lavra, porque, sendo eu adepto da política do VAI TRABALHAR, VAGABUNDO, como meu pai fez comigo, já tomei providencias para que essas músicas não lhes rendam nem um tostão furado. Sendo um velório moderno, recomendo músicas de carnaval antigo, as indiscutíveis, claro, com algumas discretas serpentinas e confetes jogadas sobre o caixão, fechado, naturalmente. Morrer num Sábado à tarde, ser enterrado num Domingo antes do almoço, e estar completamente esquecido na manhã de Segunda, sem atrapalhar a vida profissional de ninguém: eis a perfeição que desejo na minha morte.


Zé Rodrix
* O Zé mandava para o Vlado Lima, do sopa de letrinhas, os escritos que queria que fossem colocados em nossa I Antologia(The Books is on the table) e seu "auto-necrológico" foi um deles.Ele estava fazendo shows para que juntassemos dinheiro para publicar o livro.
Aline Romariz